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Ansiedade: aliada ou inimiga?

03 de fevereiro de 2021

Como seria um mundo sem ansiedade? Albert Einstein teria revolucionado a física com a teoria da relatividade se não existisse ansiedade? Os aliados na segunda guerra teriam vencido o famoso dia D? Osama Bin Laden teria sido morto? A Coréia do Norte teria construído sua bomba atômica? Usain Bolt teria ganhado tantas medalhas de ouro? O Cebolinha, conseguiria dar um nó no coelhinho Sansão da Monica? O seu amigo teria conseguido um emprego? Você estaria vivo?

Exclusivamente associada, no ideário popular, a uma sensação negativa que engloba sintomas físicos e psíquicos, a ansiedade experimenta uma polarização nas opiniões humanas. Mas é fato que um pouco dela é fundamental para o funcionamento do ser humano e a progressão da civilização. Podemos dizer que até um pouco dos sucessos das paixões deve gratidão a essa tão abnegada condição.

Mas afinal, o que é a ansiedade?

Não é de hoje que a ciência tem demonstrado que melhoramos nosso desempenho quando estamos ansiosos. Estudamos mais para aquele concurso difícil porque pensamos que o resultado dele pode nos ser desfavorável. Revisamos a exaustão processos que são fundamentais para a empresa. Damos aquela dose a mais no perfume que vai nos auxiliar na sedução da pessoa amada porque a ansiedade nos convida a nos questionar se estamos adequados.

Assim sendo, a ansiedade moderada e circunstancial é fundamental para o planejamento minucioso do futuro, de forma que nos permite minimizar riscos e buscar o sucesso. Ela, inclusive, já foi chamada de “sombra da inteligência” por sua capacidade de melhorar nosso desempenho social, físico e intelectual.

O outro lado da ansiedade

O fato, no entanto, é que a ansiedade pode ser, contudo, perniciosa. Sobretudo quando o indivíduo tem a sensação psicológica, muitas vezes irreal, de que não pode prever ou controlar eventos futuros. Em situações nas quais o que está por vir parece algo trágico, tendemos a ficar tensos, desconfortáveis e por vezes apresentar uma sensação pior do que vivenciaríamos se realmente a previsão negativa se confirmasse. Nesses casos, a ansiedade não cede à lógica ou ao desaparecimento do estímulo. Ela parece estar sempre lá, murmurando no ouvido de seu portador ideias aterrorizantes acerca do amanhã.

Vem, então, de forma desproporcional, uma tensão muscular, mãos úmidas e frias, boca seca, náusea, sudorese, diarreia, desejo frequente de urinar e dores no corpo. Do ponto de vista psicológico pode aparecer irritabilidade, insônia, dificuldade de concentração e falhas de memória. Além daquela famosa sensação de estar com os nervos à flor da pele ou ainda aquela de que tem uma bola que não sai da garganta. Nessas situações, a ansiedade assume características de doença e deve ser tratada como tal.

Alguns exemplos

Uma imagem que pode nos ajudar a entender o que se passa na cabeça de um ansioso é a seguinte: imagina que você tem na vida um conselheiro. Uma figura que te é tão importante que você decidiu desde cedo que nunca tomaria nenhuma decisão importante sem consultá-lo. Qualquer ato em sua vida, qualquer decisão que venha a tomar, lá está seu conselheiro a lhe dizer o que pensar ou o que fazer.

Agora, imagine que essa figura tenha uma característica: ele é pessimista e extremamente cobrador. Mas você confia muito nele. E decidiu que ele é o melhor portador de informações acerca do futuro. Então você pergunta para ele como pode se sair na prova que tanto estudou. Logicamente, com as características descritas acima, ele logo lhe diz que é impossível ter sucesso na empreitada. Que é claro que você será reprovado.

Outras pessoas até podem tentar te demonstrar óbvio, que dado que você estudou bastante, tem altas probabilidades de aprovação. Mas você tem o conselheiro preferencial e na hora de ouvir alguém você ouve ele.

E quando seu filho demora para chegar em casa após uma festa? O seu ilustre tutor já tem a resposta: certamente sofreu um acidente e é questão de minutos para você receber o telefonema. Hora de dormir, lá vai o seu cobrador te colocar para deitar lembrando de todos os fracassos que você deve experimentar no dia seguinte. Dá para você ter uma ideia de quão difícil é a vida de uma pessoa ansiosa.

Como a ansiedade se manifesta?

Em geral, a ansiedade tem íntima relação com a depressão, mas pode se apresentar nas mais diversas formas, como o Transtorno Obsessivo Compulsivo, em que o doente alivia a previsão negativa do futuro cumprindo certos rituais que seu conselheiro terrorista propõe. Algo como, por não quer se contaminar de forma incurável por ter tocado em um objeto que o cobrador considera sujo, então, lave suas mãos de forma intensiva e seguindo um rígido protocolo estabelecido por este líder interno.

Temos o Transtorno de Ansiedade Social, antigamente conhecido como fobia social, em que nosso tutor nos aterroriza diante da exposição em público, lembrando ao paciente como ele está sendo pessimamente avaliado.

O Transtorno do Estresse Pós-traumático, que pode aparecer em pessoas vítimas de traumas e nas quais o controlador garante que o evento ruim se repetirá. Temos ainda fobias, que nada mais são do que medos desproporcionais, Síndrome do Pânico, na qual o terrorista interno garante ao indivíduo que ele está experimentando o momento da morte ou ainda o Transtorno de Ansiedade Generalizada com seus sintomas de preocupação excessiva e expectativa apreensiva ligadas ao futuro desolador.

Quais as causas?

Do ponto de vista biológico, cada vez mais experimentos apontam para uma forte vulnerabilidade genética, ou seja, herdamos de nossos antepassados a capacidade de nos sentir desproporcionalmente ansiosos e com a doença sendo desencadeada por fatores ambientais como demissão, traumas, doenças clínicas, procedimentos cirúrgicos, uso de drogas ou algumas medicações entre outros.

E o que acontece num cérebro ansioso? As pesquisas têm demonstrado que ao menos três substâncias, os chamados neurotransmissores, produzidos pelas células cerebrais, os neurônios, têm a sua produção prejudicada. São elas: o Ácido Gama-Aminobutírico, conhecido por GABA, a Serotonina e a Noradrenalina. A área cerebral mais acometida é o sistema límbico, o centro cerebral das emoções.

O conhecimento desses fatores permite programar um tratamento para os transtornos de ansiedade. Em geral, a combinação de medicamentos que corrigem os níveis desses neurotransmissores com psicoterapia, que vai mapear a formação desse conselheiro descrito acima, suas origens, bem como formas de enfrentá-lo, trazem uma boa resposta terapêutica de forma que em uma boa parte dos casos podemos falar em cura.

Viver sem ansiedade é o sonho de todas as pessoas. Mas devemos sempre nos lembrar que um pouco dela é necessário e eficaz. O que deve ser superado e hoje temos como fazer isso são as doenças relacionadas a ela. Nenhuma ansiedade nos coloca no ponto morto da vida, alguma ansiedade nos encoraja. Ansiedade exagerada nos acovarda e para esta existe tratamento. Perguntemos para nós mesmos em que níveis de ansiedade estamos. E vamos atrás de ajuda se for necessário.

Rodrigo de Almeida Ramospsiquiatra, diretor da Clínica Vínculo