Câncer de mama e a sua relação com a depressão exige um discussão profunda.
A complexidade da imagem não deixa dúvidas. Quatro crianças no chão, buscando de alguma forma um espaço debaixo da saia da mãe. A pequena mais nova tem local certo. Deitada no colo da matrona, ela parece ser a mais confortável e satisfeita. Isso porque mama em um peito vistoso que parece repleto de leite e amor.
A escultura “Caridade com quatro crianças” de Gian Lorenzo Bernini tenta louvar não apenas o amor e a sobrecarga materna, mas também o poder dos seios. Símbolo físico supremo da energia feminina, fonte de alimentação, carinho, amparo e de excitação sexual, esse órgão é objeto de adoração de todas as pessoas e em todas as idades.
Não à toa, a mídia aprendeu a valorizá-lo, as mulheres não pestanejam em aumentá-lo e o discurso feminista não hesita em evidenciá-lo como representante maior do poder feminino. Machucar essa parte do corpo pode trazer consequências.
Volvei mais um outubro rosa! Período do ano em que as atenções de vários lugares do mundo se dirigem para a conscientização com relação ao câncer de mama. A ideia principal que delineia esse conceito é trazer à população fatores que envolvem o desenvolvimento, prevenção, diagnóstico e tratamento desta doença, favorecendo assim, o diagnóstico precoce e melhorando, dessa forma o tratamento, a sobrevida e a qualidade de vida das pacientes vítimas desse mal.
Dados epidemiológicos apontam que, em se excluindo os cânceres de pele não melanoma, o câncer de mama é a neoplasia maligna que mais acomete o público feminino no Brasil e no mundo. Segundo números de 2015 do Instituto Nacional do Câncer, os índices variam de acordo com a região do Brasil, sendo mais comum na região sudeste, onde atinge taxas de cerca de 65 casos para cada 100.000 habitantes e menor na região norte, onde temos cerca de 17 mulheres para cada 100.000 habitantes.
Como em qualquer tipo de câncer, o diagnóstico de câncer de mama tem um efeito devastador sobre as pacientes, porque além de trazer graves apreensões acerca da sobrevida e do tratamento, traz intensas preocupações acerca da identidade feminina, com a dilapidação de importantes símbolos comprometidos no tratamento.
A terapêutica pode levar a alguns efeitos adversos, como:
Isso, indubitavelmente, pode se configurar como um fator desencadeante para quadro depressivo, o que pode tornar-se um grande problema para a adesão e para o tratamento por si só.
Cerca de 1/3 das pacientes com diagnóstico de câncer de mama, ou de 25% a 35%, podem desenvolver depressão e esse quadro tende a se mostrar mais exuberante no período que envolve o estabelecimento do diagnóstico até a realização da cirurgia.
Nessa ocasião, vários fantasmas passam a assombrar a doente: o medo da morte e da mutilação, o forte receio de ser abandonada pelo marido, de deixar de ser atraente como mulher e das sequelas que pode apresentar no processo terapêutico.
A depressão é uma doença caracterizada por um conjunto de sintomas como:
Em pacientes com câncer de mama, essa doença pode ocorrer em todas as fases do tratamento e está relacionada a uma intensificação da baixa autoestima e ao medo de exclusão social relacionada aos efeitos do processo terapêutico.
É muito comum essas pessoas apresentarem medo de ser abandonadas pelo companheiro, intenso receio de perder a sensualidade e de nunca mais conseguir se identificar como mulher.
A depressão tende a ser mais intensa em indivíduos com pouca continência social ou da equipe de saúde ou ainda familiar. Experiências depressivas prévias e histórico hereditário de depressão também são fatores de risco. Mulheres que apresentam sintomas depressivos exacerbados logo ao diagnóstico, também tendem a deprimir mais. Isso exige atenção especial da equipe clínica e de saúde mental que acompanha o caso.
Psiquiatras e psicólogos que trabalham com oncologia, geralmente estão bastante atentos a todas as fases da doença e agem para clarear para as doentes as características dos sintomas que ela está apresentando e para ajudá-las a separar queixas reais, vinculadas ao processo terapêutico, de queixas relacionadas a seus medos e angústias, oferecendo grande suporte para suas inseguranças e ajudando a prever o que está por vir. Além disso, esses profissionais estão atentos à reconstrução da identidade da pessoa.
Ela era uma mulher antes do câncer e agora se tornará uma mulher diferente do que era. Não menos mulher, apenas diferente. E não diferente do ponto de vista físico. A mama pode ser reconstruída. Mas ela será outra pessoa do ponto de vista psicológico após a incorporação dessa experiência. Além disso, pode-se formar grupos de autoajuda em que indivíduos com histórias pregressas da doença, compartilham experiências.
Têm tido muito sucesso no processo terapêutico também terapias de relaxamento que envolvem prática de yoga e exercícios físicos, além de massagem e técnicas de meditação como mindfulness. Mas, costuma ser contraindicada para essas fases as terapias analíticas, que tendem a lidar com o passado inconsciente doloroso e angustiante da paciente. Seria como uma sobreposição de dores, totalmente ineficaz em um momento como esse.
O outubro rosa, assim, chega em boa hora! Hora de conscientizar toda a sociedade desse mal e unir todos ao combate contra o preconceito que pode envolver nossas doentes. Vamos todos à luta!
Dr. Rodrigo de Almeida Ramos – psiquiatra e diretor da Clínica Vínculo