No início do ano, a sociedade ficou estarrecida com uma discussão que trouxe luz a eventos que até pouco tempo atrás estava desconhecido. Fenômenos surpreendentes como o “jogo” da Baleia Azul e a série 13 porquês trouxeram uma pergunta para a cabeça de todos: existe depressão em adolescentes? E grave ao ponto de levar a pensamentos suicidas? A resposta infelizmente é sim.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a adolescência é um período que compreende a faixa etária de 10 a 19 anos de idade e liga a infância à vida adulta. É um período naturalmente conflitado, recheado de conflitos na relação da própria identidade e do funcionamento do mundo e de muita idealização. É ainda a fase em que aflora e se estabelece a sexualidade. Mas a depressão nessa faixa etária existe e é bastante importante, exigindo atenção e cuidado por parte da família e escola.
O fato dos mecanismos neurobiológicos que explicam o evento depressivo terem sido apenas esclarecidos, com fortes evidencias, no século XX, fez com que a população geral questionasse a real existência dessa doença e muitas vezes a atribuísse a condições como preguiça ou frescura.
A presença desses sintomas na adolescência foi ainda menos compreendida, fazendo com que muitos pais pensassem em caminhos corretivos marcados por rigidez moral, como obrigar o filho a trabalhar na ausência de necessidade social, ou ainda cobrir o jovem de exigências e compromissos. Isso, em verdade, pode prejudicar ainda mais a recuperação.
Hoje em dia a depressão é uma doença cada vez mais conhecida e sua origem parece vinculada, em essência, a dois mecanismos fundamentais: a presença de uma vulnerabilidade genética, ou seja, o indivíduo herda dos pais a possibilidade de desenvolver o mal, associada a um fator desencadeante. Isso explica porque algumas pessoas deprimem e outras não. Quem não nasceu geneticamente predisposta para ter depressão, não desenvolverá a doença, independente da intensidade do fator desencadeante. É muito comum se colocar frases do tipo “mas tal pessoa passou por eventos na vida muito piores que o desse jovem e não deprimiu”. Isso provavelmente aconteceu porque a pessoa portadora de um sofrimento maior, não era geneticamente candidata a desenvolver o problema.
Vários podem ser os gatilhos relacionados ao estabelecimento do quadro depressivo em adolescentes como a mudança hormonal própria dessa faixa etária e conflitos psicológicos e sociais, como dificuldades de se desenvolver uma identidade autônoma, conflitos de sexualidade e bullying além de falta de continência e desestruturação do núcleo familiar, brigas entre pais, abuso sexual entre outros.
O fator desencadeante leva a uma alteração na produção de substâncias antidepressivas naturais, a saber, a serotonina, a noradrenalina e a dopamina, principalmente. A consequência disso é o desenvolvimento dos sintomas que de tão exuberantes causam intenso impacto social, pessoal, escolar e laboral.
No caso dos adolescentes, diferentemente dos adultos, o principal sintoma não é a tristeza, mas a irritabilidade. Um jovem deprimido é essencialmente agressivo e não necessariamente triste. Além disso tem-se uma inquietação e isolamento social com recusa em participar de eventos da família.
Vale mencionar que os estudos têm mostrado que jovens com depressão estão em maior risco para gravidez precoce, problemas com a justiça, uso de substancias como tabaco, álcool e drogas ilícitas além de uma propensão maior ao suicídio.
Há ainda a presença de sintomas dito neurovegetativos como alteração do padrão de sono e apetite, alteração cognitivas com a presença de lentificação do pensamento além de prevalência de pensamentos de culpa, ruína, inutilidade e desesperança.
Estima-se que a presença de depressão em uma população adolescente é da ordem de 20% com acometimento de 2 mulheres para cada homem. Essa diferença pode ser explicada pela diferença hormonal entre os sexos, que se mostra mais expressiva nesta fase da vida.
A boa notícia é que existe sólidos tratamentos para a depressão no adolescente e, na presença desses sintomas, os pais devem procurar ajuda médica ou psicológica. Não necessariamente o tratamento é medicamentoso.
Pode ser psicoterápico ou envolvendo algum grau de mudança do padrão de vida, incluindo alimentação mais saudável ou exercícios físicos. Mas, dado que o índice de suicídios entre os jovens tem aumentado, não podemos submeter nossos adolescentes a um prejuízo do desenvolvimento ou a uma a morte completamente evitável por pura omissão.
Assim sendo vale redobrar a atenção e observar cada vez mais eventuais mudanças bruscas de comportamento nos filhos. Alterações súbitas de no jeito de ser acontecem sim na adolescência, mas em alguns casos pode se estar disfarçando um quadro depressivo. Que se peque pelo excesso. Na desconfiança de que algo anda errado com seu filho, procure um profissional de saúde mental.
Rodrigo de Almeida Ramos, psiquiatra, diretor da Clínica Vínculo