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Transtorno de Hiperatividade e Déficit de Atenção

31 de julho de 2017

Hoje em dia, quando uma criança é bastante travessa ou até mal-educada corre-se o risco de rotulá-la como “hiperativa”. Da mesma forma, quando o desempenho escolar vai mal, logo alguém surge com a justificativa de se tratar de um caso de “déficit de atenção”. Essas denominações originalmente fazem parte da descrição de uma importante doença cerebral conhecida como Transtorno de Hiperatividade e Deficit de Atenção (THDA). Entretanto, de tão utilizados esses termos acabaram caindo na vala comum da banalização, sendo subtraídos de seu verdadeiro e original significado médico, abrindo caminho para seu emprego caricato e muitas vezes equivocado, distante do adequado diagnóstico.
O THDA, quando verdadeiramente presente, de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria e corroborado pela Associação Brasileira de Psiquiatria, se trata de uma condição derivada de alterações do neurodesenvolvimento que se manifesta na infância através de níveis variados de comprometimento da capacidade atencional, ou seja, de prestar atenção voluntariamente em algo e/ou um padrão de atividade motora absolutamente excessiva e pouco controlável pelo indivíduo que não consegue permanecer muito tempo sentado, tem incapacidade de aguardar, necessidade de correr ou de pular mesmo em contextos inadequados. Quando realmente ocorre, o THDA não se trata de mera indisciplina da criança por falta de colocação de limites pelos pais e nem se trata de ocorrência pontual, isolada ou transitória. Estamos falando de um padrão que perdura no tempo (seis ou mais meses, por critério) e que sempre deve ser cuidadosamente diferenciado de outras situações clínicas citadas a seguir.
Portadores de THDA têm prejuízos variáveis em áreas relevantes de suas vidas, o que eventualmente contribui para uma noção de fracasso pessoal, sobretudo escolar e social. Podem surgir problemas na autoestima pois dificilmente atingem o rendimento intelectual proporcional a seus esforços, alcançando resultados frequentemente abaixo de seus colegas. Também podem ser vitimados por exclusão social por conta do comportamento sempre desajustado às situações. Alguns pais se irritam com seus filhos nessas condições, gerando um clima familiar tenso e pouco construtivo, o que, sem dúvida alguma, não resolve o problema.
Como fica claro, o quadro não é tão simples de ser diagnosticado. Obviamente, uma criança ou adolescente pode ter outras origens para o desempenho escolar ruim como, por exemplo, crise nas relações familiares, falta de incentivo e supervisão de adultos, pouco ou nenhum treino em respeitar limites impostos, problemas da acuidade visual ou da acuidade auditiva, presença de dislexia em algum grau, presença de déficit intelectual (inteligência subnormal), distúrbios de conduta, entre outros. E vale lembrar que essas condições não são excludentes, isto é, podem se superpor, ocorrer em concomitância, o que acontece não raramente. A detecção correta desses quadros clínicos e suas diferenciações é bastante complexa e essencial para o adequado tratamento, evidentemente.
De acordo com o detalhado trabalho de revisão sistemática de publicações sobre o tema do THDA em diversos países e culturas, Rohde e sua equipe publicaram na revista científica Biological Psychiatry, em 2005, seus achados da análise dos dados de prevalência, perfil de comorbidade, genética e eficácia de tratamento medicamentoso em crianças e adolescentes, sendo ali sugerido claramente que o THDA não é um construto cultural, uma mera “medicalização” de comportamentos naturais, como já se alardeou por meios de divulgação não-científica. O estudo de Faraone de 2002 que analisou o padrão do THDA em famílias, comparou filhos adotados com biológicos e também entre gêmeos, apontou a forte herdabilidade genética do quadro clínico.
Apesar de o THDA ter seu início durante a infância, ele pode remitir ao final da adolescência mas pode perdurar na vida adulta em cerca de 60 a 70% dos casos. Os adultos portadores de THDA, embora geralmente não tenham o mesmo padrão impulsivo, geralmente mais presente na infância, mantêm as falhas atencionais e hiperatividade motora em algum grau capaz de prejudicar seu desempenho acadêmico ou profissional.
O tratamento existe e pode reverter drasticamente os sintomas e sinais do THDA, recuperando a autoestima, vida escolar, acadêmica ou profissional do indivíduo. Para tanto, há técnicas no âmbito da Terapia Cognitivo Comportamental, abordagens psicossociais e algumas opções dentre os tratamentos medicamentosos que se mostram altamente eficazes e com bom perfil de segurança se devidamente orientados pelo profissional médico especializado.

 

Dr. Ricardo Abel Evangelista, psiquiatra, diretor da Clínica Vínculo